A FRIEZA CONTEMPORÂNEA: BLECAUTE - Marcelo Rubens Paiva; Ensaio Sobre a Cegueira - José Saramago; Nã
"No princípio, o Céu e a Terra eram fenômenos divinos; e só. Em seguida, a Razão, a Ciência encontrou teorias que os definissem. A luta da humanidade era explicar o inexplicável. Hoje...meu corpo se curvou para a frente, cansado, desiludido. Dane-se! Me lembro de uma música que falava 'Tudo, tudo, tudo, vai dar certo...' e acho engraçado. Nada deu certo. Já me falaram de uma nova era. Já me falaram do universo em expansão. Mas nada deu certo. Nada.
Começou há muito tempo. Sei lá, há uma porrada de tempo..."
Meu primeiro contato com o livro BLECAUTE ocorreu quando eu ainda cursava o ensino médio, honestamente quando o encontrei na prateleira da biblioteca da escola não esperava muita coisa, uma vez que minhas experiências com autores brasileiros foram digamos, intragáveis. Porém, tão grande foi minha surpresa ao descobrir o magnetismo da escrita propositalmente despretensiosa de Marcelo Rubens Paiva, que te prende logo de cara de modo indolor.
O livro que se passa no Brasil, mais precisamente em São Paulo, foi publicado em 1986 pela editora Brasiliense e retrata a história de três amigos: Martina, Mário e Rindu, que após ficarem presos em uma caverna na região do Vale do Ribeira em decorrência de uma enchente se deparam com um mundo completamente diferente ao saírem da caverna. Agora imagine você, meu caro leitor, se neste exato momento você saísse do local de onde está lendo estas palavras - do seu quarto, do seu porão, do seu banheiro... - e percebesse que inexplicavelmente todas as pessoas aparentemente estão congeladas - isso mesmo congeladas - mas não congeladas do tipo "abaixo de zero graus", mas sim imóveis, como manequins de carne e osso, paralisadas na posição da ação que estavam a fazer no exato momento em que esse fenômeno coletivo aconteceu. Você se depararia com pessoas imoveis que estavam andando na rua, pessoas imoveis que estavam tomando banho, penteando o cabelo, dirigindo carros - o que provocou acidentes...
"Não respiravam. Não reagiam a nada. Não piscavam. Imóveis, com os olhos bem abertos, mas imóveis. O que era aquilo? Corpos humanos duros, sem mexerem um milímetro sequer. Loucura."
A partir desta problemática é que toda a história se desenrola, que por sua vez é contada do ponto de vista de Rindu, um dos três amigos, e retratará os dilemas de três jovens numa cidade deserta cercados por seres humanos estáticos, tendo uma cidade inteira a sua disposição, cometendo loucuras pelo fato de não existirem mais leis. As passagens mais divertidas do livro são quando os três usam a cidade ao seu bel prazer, como por exemplo invadir uma emissora de rádio e produzir um programa apenas para os três, ou então pintar toda a Avenida Paulista de vermelho utilizando o carro dos bombeiros.
"Parei na faixa. Não passou nenhum pedestre. Nenhum carro também. E aquele lugar era bastante movimentado. Arranquei quando acendeu o verde. O farol estava funcionando. As luzes de algumas casas também. Os postes de iluminação estavam acesos. Eletricidade. Mas ninguém nas ruas. Comércio, bancas de jornal, tudo fechado, esquinas desertas, um silêncio estrangulador.
Uma cidade de presente."
Mas o extasie desta anarquia vai dissipando-se gradativamente ao passo que os três se dão conta da grandiosidade da situação. Ao ponto de se perguntarem se Deus haveria realizado o Apocalipse e esquecido deles na caverna, se haveria gente "não -paralisada" em outros lugares para poderem fazer contato, ou se tudo não passava de um sonho... Não vou contar mais detalhes uma vez que a principal sacada do livro está em como os Três personagens: Rindu, Mário e Martina se comportam diante de tal adversidade, mas uma coisa eu asseguro, é impressionante como pode haver uma infinidade de problemáticas entre apenas três pessoas quando colocadas numa situação apocalíptica de impotência, como espectadores.
Para mim, Marcelo Rubens Paiva teve uma grande sacada ao colocar os personagens alheios ao suposto "Fim do Mundo", fazendo dessa forma com que os sentimentos humanos de insanidade, amor, amizade e nostalgia exacerbassem, fazendo-nos refletir sobre a "Solidão Coletiva" na qual estamos imersos atualmente, afinal, cada indivíduo é único, porém essa unidade é, a cada dia que se passa, suprimida, nos tornando insensíveis, frios, congelados, imóveis.
"Não consigo entender o sentido da vida. Não consigo entender nada. E isso não me comove mais. Os homens fizeram sua própria história, mas não imaginaram onde iriam desembocar."
Paiva não foi o primeiro autor a tratar da frieza humana, e nem será o último. O escritor português,José Saramago, em seu livro ensaio Ensaio sobre a Cegueira retrata a cegueira branca que assola a humanidade. Com suas personagens que reproduzem o perfil social contemporâneo diante das necessidades do próximo.
Separamos para você, Curioso, nos links a seguir, os livros citados, é só clicar sobre o nome da obra e obter sua versão pdf.
BLECAUTE, Marcelo Rubens Paiva
Ensaio Sobre Cegueira, José Saramago
Infelizmesnte, BLECAUTE não possui versão cinematográfica, ao contrário de Ensaio sobre a Cegueira que foi sucesso de público e dirigido pelo cinesta brasileiro Fernando Meirelles. Você pode encontrar o filme na íntegra, logo abaixo:
Se falamos sobre BLECAUTE e Ensaio Sobre a Cegueira, estamos falando do olhar do homem sobre ele mesmo e sobre seu futuro. Esta distopia também está presente em outra obra brasileira que achamos importante linkar, que é o livro Não Verás País Nenhum do autor Ignácio Loyola Brandão. Na obra o protagonista se vê encurralado pelos dilemas apocalípticos de uma sociedade degradada e detém marcas que servem como metonímias a problemas sociais, como, por exemplo, uma ferida na palma de sua mão que nunca sara e só faz coçar e crescer...
Para quem se interesar, o link para download do livro de Loyola em pdf está logo aqui: Não Verás País Nenhum
O autor também participou de uma entrevista na qual conversou sobre seu livro e a temática envolvida
Se após tudo o que mostramos você achar que a distopia do meio ambiente e da frieza humana está distante de nós, vale a pena ressaltarmos que no dia 5 de novembro houve o rompimento da barragem da mineradora Samarco em Minas Gerais. O ocorrido devastou um vilarejo da região com uma onda de lama e destruição. Foram destruidas 158 das 180 casas da localidade. Até a data desta postagem 8 mortes haviam sido confirmadas e 19 pessoas estavam desaparecidas. Contando outros distritos, a estimativa inicial era de ao menos 2 mil pessoas afetadas.
Este é um exemplo da interferencia dos interesses financeiros humano na vida de seus semelhantes.
A frieza está ai, seja na paralização, no meio ambiente ou na destruição. Confira detalhes sobre esta catástrofe:
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